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A Lei Kandir e os Impactos da Desoneração Fiscal no Pará

Atualizado: 8 de dez. de 2021



 

Jó Bezerra de Sales*


A Lei Kandir completou 14 anos de vigência e a desoneração de ICMS sobre os produtos primários e semielaborados destinados ao exterior tem provocado graves prejuízos ao Pará. Dentre os quais se destacam: (i) perdas estimadas apenas sobre a atividade mineral até dezembro de 2009 é de 12,3 bi de reais; (ii) queda no ICMS per capita; (iii) distorções na repartição da cota-parte do ICMS aos municípios; (iv) redução nos investimentos em políticas públicas.


A análise da evolução da relação entre a cota-parte do ICMS, PIB e VAF (Valor Adicionado Fiscal) no Pará no período de 1997 a 2007, demonstra a existência de um “free tax gap”, ou seja, uma lacuna ou diferença entre a arrecadação de ICMS e o VAF apurado no Estado. Este indicador ganha relevância em função do volume de produtos semieleborados destinados à exportação e, por força da Lei Kandir e dos incentivos fiscais concedidos, são desonerados de pagamento de tributos. Este "gap” era, em 1997, de 7,37% e evoluiu de maneira constante até 2003, atingindo 11,04%, com rápido declínio em 2004 quando alcançou 10,04%, voltando ao movimento ascendente até alcançar 11,35% em 2007.


O comportamento dos produtos que compõem a pauta de exportação do Pará, no período de 1996 a 2009, demonstra a tendência de aprofundamento deste problema. Nos últimos 13 anos, a relação dos produtos semielaborados, especialmente minerais, destinados à exportação se ampliou de modo expressivo, com destaque para o minério de ferro, alumínio e cobre. Verifica-se também que nos últimos anos houve crescimento da exportação de bovinos vivos (423 milhões de dólares em 2009 - ano de crise econômica), contra 359 milhões de dólares no ano de 2008, e uma redução da exportação da madeira em função do aumento do controle decorrente do novo marco regulatório que formaliza a extração e a comercialização da madeira na Amazônia brasileira.


Em 1996, os principais produtos da pauta de exportação foram minérios de ferro, representando 32,88% do total exportado, seguidos por alumínio, com 24,18% e bauxita, com 5,39%. Em 2009, os produtos que lideraram a lista de exportação foram minérios de ferro, correspondendo a 45,69%, seguido por alumina, 14,06%, e alumínio, 8,54%.


A forte desoneração fiscal no Pará é reforçada na comparação com o Ceará, por exemplo, por meio da análise das variáveis PIB, arrecadação de ICMS e VAF. O Estado do Ceará apresentou um PIB, a preço de mercado de R$ 50,3 bi, um VAF de R$ 44,12 bi e arrecadou R$ 3,8 bi de ICMS em 2007. O Pará apresentou, no mesmo período, um PIB de R$ 49,5 bi, um VAF de R$ 44,46 bi e uma arrecadação de R$ 3,6 bi. Os dados fornecidos pelo IBGE, Idesp e Secretaria do Tesouro Nacional (STN) demonstram que o Ceará com um VAF menor do que o Pará em R$ 291 milhões ainda gerou uma arrecadação de ICMS de R$ 248,23 milhões a mais do que a registrada no Estado.


Em 2006, a cota-parte do ICMS que foi transferida aos municípios representou uma média per capita de R$ 226,7 no Brasil. A média per capita do Pará é de apenas R$ 117,9, menor que a média da região norte, com R$ 170,3 e do nordeste com R$ 122,6 que é a menor média do Brasil.

Portanto, pode-se afirmar que a relação VAF versus arrecadação de ICMS é mais positiva no Estado do Ceará do que no Pará, pois o VAF possui um efeito gerador de arrecadação de ICMS melhor naquele Estado. Pode-se dizer ainda, a partir da análise dos dados, que para cada R$ 1.000,00 de VAF produzido no Ceará, gera-se uma arrecadação de ICMS de R$ 87,89. No Pará, é de apenas R$ 81,00 de arrecadação, indicando, pois, uma diferença de R$ 6,89 de arrecadação de ICMS. O valor parece baixo, mas ao ser aplicado sobre uma base muito elevada produz efeitos negativos muito fortes sobre a economia do Estado.


Em 2006, a cota-parte do ICMS que foi transferida aos municípios representou uma média per capita de R$ 226,7 no Brasil. A média per capita do Pará é de apenas R$ 117,9, menor que a média da região norte, com R$ 170,3 e do nordeste com R$ 122,6 que é a menor média do Brasil. Além das distorções econômicas e fiscais, ainda existem os seus efeitos indiretos, pois as empresas que exploram atividade mineral no estado, recebem incentivos fiscais, energia elétrica subsidiada, produtos semielaborados desonerados e, ainda, destroem as estradas que são financiadas com os impostos pagos pelo povo pobre do Pará. O transporte dos produtos, especialmente os minerais, é realizado de forma irregular pelas empresas, pois parte considerável dos produtos é transportada em volume muito acima do permitido, reduzindo o tempo médio de vida das estradas, o que exige mais investimentos públicos para o financiamento permanente na reconstrução de estradas.


A Lei Kandir deve ser alterada visando a tributação de ICMS sobre produtos semielaborados numa escala de 0,5 a 10%, inversamente proporcional ao processamento da matéria-prima. A ideia é, quanto maior o processamento e a verticalização local, menor a alíquota de ICMS, significando a geração de emprego, produção e renda, viabilizando o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida dos paraenses.


*Economista do Idesp, Mestre em Gestão Pública, Especialista em Gestão e Planejamento de Políticas Públicas e em Direito Tributário. Publicado no Jornal O Liberal em 22 de outubro de 2010.

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